Lucas reúne ensinamentos de Jesus no capítulo 6 com alguns objetivos. Dentre eles, há um claro contraste entre aquele coração contrito e arrependido diante de Deus e o outro coração, que demonstra com suas obras, palavras e atitudes que ainda é o mal que comanda sua vida, que ainda não chegou ao arrependimento, pois, “a boca fala do que está cheio o coração”.
Jesus encontra-se (em Lucas 6) com pessoas atormentadas e doentes e os cura, libertando-os do mal que assola sua alma e seu corpo.
Olhando estas pessoas, ele fala com seus discípulos sobre bem-aventuranças, fala sobre felicidade, fala sobre fartura, fala sobre alegria e fala do relacionamento com ele, o Filho do Homem. Estes, que participam da alegria do relacionamento são aqueles sobre quem o arrependimento chegou e conseguem olhar o quão miseráveis são e buscam a Cristo, para a cura de suas vidas.
Ao mesmo tempo, ele fala sobre esse outro grupo de pessoas, que ele chama de os ricos. Os ricos são aqueles que não encontram razão para se sentirem miseráveis, pois julgam ter tudo o que precisam, julgam ter felicidade, fartura e riqueza. Não se encontram preocupados e são bem falados e acabam se revelando como pessoas falsas.
Novamente ele se volta para os seus discípulos e ensina: amem seus inimigos; façam bem àqueles que odeiam vocês. Abençoem aqueles que amaldiçoam vocês; orem por aqueles que prejudicam vocês.
Jesus ainda ensina que amar aqueles que nos amam é fácil e que até os ímpios fazem isso. Fazer o bem às pessoas que nos fazem bem não é nada extraordinário, é esperado e comum.
Confusão
Creio que há uma grande confusão na cabeça dos discípulos, pois eles aprenderam diferente com a religião judaica, com os saduceus no templo, com os fariseus nas sinagogas, com os mestres da lei, os professores de teologia.
Olha para alguém rico é olhar para alguém abençoado por Deus – essa era mais ou menos a teologia da época (não sei se hoje é muito diferente…). Olhar para alguém que afasta os inimigos é ver uma pessoa sábia (era assim que ensinava a teologia da época de Jesus). Tratar alguém com desprezo porque fazia parte da escória da época (mulheres, pobres, doentes, imigrantes, lunáticos etc.) era considerado como bom para a religião, pois na teologia farisaica da época, Deus os estava amaldiçoando por causa dos seus pecados ou dos pecados de seus pais.
Assim, Cristo ensina aos seus discípulos como distinguir alguém arrependido e de coração contrito – e certamente não era por causa dos seus atos de contrição religiosa, ou suas ofertas no gazofilácio, ou mesmo por causa das suas roupas ou ofertas de sacrifício que realizava.
O texto Bíblico
O texto que está entre o verso 43 e o 45 explica compreensivelmente o que Cristo deseja ensinar:
Uma árvore de boa qualidade não dá fruto ruim, nem uma árvore de má qualidade dá fruto bom. Uma árvore é conhecida pela qualidade do seu fruto. Ninguém colhe figos de espinheiros, nem uvas em árvores espinhosas! Um homem bom, de seu bom coração produz boas obras. E um homem mau, da sua maldade produz más obras. Porque a sua boca fala do que está cheio o coração (Lucas 6.43-45 (NBV).
Jesus demonstra para seus discípulos que uma pessoa com o coração não arrependido não pode produzir coisas boas, pois, esta pessoa apenas produzirá obras carnais, obras podres, frutos de má qualidade.
No versículo 45 ele claramente nos diz que as palavras que saem da boca das pessoas são reflexos do que essa pessoa tem dentro de si (do seu coração).
Quando se escuta alguém, aquilo que ele fala e prestamos atenção, certamente escutaremos o seu interior.
Pessoas que falam o tempo todo em morte, guerra, briga, que despreza pessoas por causa de suas limitações, que não valoriza mulheres e as tem como objeto ou mesmo como humanos de segunda categoria, pessoas sexistas, machistas, egoístas, misóginas, pessoas que desprezam outros por condições políticas, étnicas, culturais e religiosas e tantos outros desprezos, estão apenas e tão somente mostrando do que é feito o seu interior, o seu coração, pois, Jesus afirma em alto e bom som que “a boca fala do que está cheio o interior”.
Aquilo que enche o coração
No versículo 45 a expressão cheio é ‘perisseuma’ (do grego) e significa: abundância, cheia do que sobra, que preenche. É um substantivo que fala especialmente da abundância que afeta uma situação, ou seja, fala sobre os resultados dessa abundância, daquilo que se deleita, daquilo que enche o coração.
Aquilo que enche o coração, nas palavras de Jesus, também enchem a boca de palavras e aquilo que está dentro sempre (SEMPRE) sai em forma de palavras, de desprezos, de religiosidade vazia, de rituais sem sentido, de cerimônias que dão nojo a Deus.
Os discursos de ódio, de divisão, de extrapolamento do civilizado são nada mais nada menos que expressões de um coração pecaminoso não arrependido, aos quais Jesus considera como pessoas que não o conhecem, pois não se relacionam com ele e sim com a religião; não o obedecem; não constrói uma vida sólida, mas nefasta e invadida com toda sorte de desgraça.
Quem é que você está escutando? Que tipo de discurso você está ouvindo?
O que você está falando? Do que anda cheio o seu coração?
Nesse tempo de reclusão, de isolamento, de dificuldade, de crise é sempre bom olhar para dentro de si (e ao seu redor) e analisar nosso coração, nosso discurso, nossa vida e também a vida daqueles que estão influenciando nossos pensamentos, nossas palavras, nossas ações.