Meditar nos Salmos tem sido ao longo de minha vida uma tentativa de entender poeticamente a vida e a ação de Deus para conosco. Gosto muito da linguagem poética e a poesia que sempre fez parte de minha vida, agora vem com tudo e tomou minha alma . Este Salmo em especial, 50, é extraordinário como a mensagem é passada num tempo tão longe de nós, mas fica sempre tudo tão atual.
A cena é de Deus, um Deus grandioso, em meio a um “fogo devorador” (v.3). A imagem de Deus aparecendo no “fogo devorador” é um Deus preocupado com a atitude do seu povo em relação à sua vida prática (dia a dia, nos relacionamento horizontais) bem como na sua prática de vida com Deus (relacionamento verticalizado, se posso assim dizer, com temor).
Deus vem e ele não está a fim de “guardar silêncio” (v.3); Deus chama dos “céus lá em cima e a terra, para julgar o seu povo” (v.4), para testemunhar sobre sua fala, sobre seu discurso. O julgamento sempre é uma atitude de Deus que tem a ver com principalmente três coisas: 1) apontar um caminho errado desenvolvido pelo seu povo; 2) mostrar um caminho melhor para eles e 3) falar das consequências das atitudes tomadas que os levam para longe de Deus.
É uma Teofania em meio ao fogo, um fogo que arde, que soprado pela tormenta aumenta até queimar tudo – até não deixar nada sem ser queimado. Lembro aqui, talvez quando Paulo escreve, ele se lembra também deste texto, quando diz que quando comparecermos perante o Senhor com nossas obras nas mãos, tudo aquilo que não for eterno será queimado por este “fogo devorador” (Paulo aos Coríntios), dando-nos uma ênfase correta do que Deus espera de nós. Viver a vida na eternidade é a única maneira de participarmos ativamente dos planos e propósitos de Deus para a nossa vida e para a vida daqueles que estão ao nosso redor.
v.1 – “Fala” – Deus não permanece calado ele abre a sua boca e nos traz para si mesmo.
“Poderoso, o Senhor Deus” – “El Elohim Javeh” – Asafe junta em uma expressão três títulos que falam sobre Deus – títulos de descendência sumeriana (terra de Abraão) – “El” – Poderoso, Deus supremo, “Elohim”, de origem cananéia, significando “Deus Universal” ou mesmo o Deus de todos os povos e no final “Javeh” o tetragrama que é o nome especial de Deus para o povo de Israel. Esse grupo de títulos sugere majestade, controle, abrangência geral e o desejo aqui parece ser uma demonstração de que Deus não está falando isso apenas para o povo de Israel, mas para todos os povos da terra, inclusive o nosso dos dias de hoje.
Deus está se mostrando como fogo e esse fogo é pra forjar-nos para uma vida de arrependimento, de quebrantamento. Os pesos que nos embaraçam os pés precisam ser retirados para um caminhar mais sadio diante de Deus.
A princípio parece que Deus está querendo devorar os “incrédulos” que não pertencem ao seu povo, mas no fim do versículo 4 vemos que a ação de Deus ao repreender aqui está direcionada para sua própria casa, ou seja, o seu povo é o alvo da admoestação.
No versículo 5 há a clara designação de quem é esse povo: são os “santos” que são de Deus através da “aliança” e que o cultuam e adoram por meio de “sacrifícios”. Entendo que sacrifício aqui englobe a ideia da adoração, de culto prestado, de coisas que são como aroma suava para Deus e não apenas o cruento ato de matar animais, que fazia parte sim, mas que não era o todo.
Asafe divide esse povo em dois grupos distintos e acho muito interessante como o salmista vê essa questão, principalmente porque quando leio, vejo a mesma coisa nos evangelho onde Jesus admoestava principalmente estes dois grupos de pessoas em meio a Israel.
O primeiro grupo a ser recriminado são os RELIGIOSOS.
v.7 a 15 – RELIGIOSOS – são os que substituem Deus pelas coisas, substituem um relacionamento por rituais religiosos, sentindo-se perfeitos, necessários à religião e ao culto, como se de Deus apenas restasse uma pobre caricatura, onde Deus é o necessitado; ele precisa que eu o cultue, ele precisa de meus “sacrifícios”, ele precisa de mim (v.12).
Os religiosos não são repreendidos por Deus pela falta do culto, por faltarem à “igreja”, por não realizarem os atos do culto de maneira constante e ordenada, modo contrário, ele diz que esses o cultural “continuamente” (v.8). Esse grupo no meio do povo de Deus ao menor sinal de problema se volta para os rituais e para o culto ao invés de ir a Deus para um relacionamento íntimo.
Podemos facilmente aplicar a mesma coisa aos nossos dias, numa releitura rápida, olhando para a igreja, povo de Deus onde esse grupo também se encontra e são enfatuadamente cheios de rituais, cheios de culto, cheios de um tradicionalismo religioso institucional, apegando-se ao louvor, ao culto, aos sacrifícios, aos holocaustos… trocam Deus pelo ritual, trocam Deus pelo culto e não se sentem a vontade num relacionamento, pois é mais fácil cumprir uma obrigação que deixar-se conhecer e abrir-se diante de Deus que é o que Deus espera, que se abram, que se joguem em seus braços, que se desarmem e fiquem desesperadamente abertos. Não é pompa que Deus quer, não é culto, nem sacrifícios ou holocaustos mas INTIMIDADE e RELACIONAMENTO.
Deus do céu, na eternidade, nos escolhe, nos chama, providencia sacrifício em nosso lugar, aceita o oferecimento de Jesus, nos torna habitação sua – tudo isso não para promover o culto ou o sacrifício, mas para que possamos nos relacionar com ele – COM INTIMIDADE, intimidade essa que o Pai tem apenas com o Filho – é esse nível de relacionamento que Deus quer, que Deus requer, que Deus espera de nós, como esperou do seu povo.
Aqui é um paradoxo que gostaria apenas de pontuar: será que entendemos mesmo o relacionamento com Deus? Será que não apenas substituimos um relacionamento entre estas duas pessoas (ele e eu) por culto? Por templos? Por eventos? Por ofertas? Por entrega de dízimo? Será que não estamos sendo religiosos ao invés de amigos de Deus? Tudo isso parece muito próximo de nós, quando tudo que tem a ver com a visibilidade da vida da igreja (em meio às denominações, templos, cultos, festas, eventos e tanto mais) substitui a pura comunhão com o Espírito de Deus, pessoalmente, abrindo a alma aflita e cheia de dor a um Deus restaurador, sarador, curador de feridas. Raramente conseguiremos ser tão sinceros com Deus em um culto público como deveríamos, acho que até por isso Jesus quando nos instrui a orar, não despreza a oração pública sincera, mas fala “quando entrares no seu quarto” (na intimidade do lugar onde somente você sabe e Deus te vê, é lá, sozinho muitas vezes que Deus quer se relacionar com você).
O segundo grupo são os HIPÓCRITAS
v.16-21 – os HIPÓCRITAS – entendo que esse grupo – diferente daquele que quer mesmo viver a vida com Deus por meio da RELIGIÃO, do culto, do templo, esse apenas se mostra religioso como os demais, ou ainda melhores: são santos no falar, no repetir (v.16), mas que estão tão longe de viver estas verdades pois não tem sinceridade no seu coração. O primeiro grupo, por mais errado que esteja, trocando Deus pelos rituais de culto, permanece sincero diante do Senhor.
O hipócrita vê apenas a si mesmo e pensa que é igual a Deus, por isso tem poder para viver a vida da maneira que quiser e Deus, que o escolheu afinal, tem de o aceitar da maneira como está (V.21). Mas Deus não se cala, ele pergunta, ele questiona (v.21), ele quer uma mudança e mudança rápida.
Deus não quer eliminar o seu povo, mas levá-lo ao arrependimento e ao quebrantamento, mas ele sabe que a ação que requer deve ser muito rápida, pois se não considerarmos esta questão seremos despedaçados (v.22) sem que sobre alguém ou alguma coisa que nos recoloque novamente no lugar. A religiosidade e a hipocrisia sempre nos levam para a derrota. Deus não está, entendo eu, propondo um castigo, mas apontando as consequências dos atos e das escolhas religiosas.
Mudança rápida é o que ele quer e além disso requer que preparemos um caminho (v.23) para que ele nos mostre a salvação; salvação concreta: mudança da maneira como nos relacionamos com Deus: Deixar a religiosidade e a hipocrisia para viver uma vida de sinceridade diante do Senhor, rasgando o seu e o meu coração para ele.
Esta mudança, radical para muitos, ainda pode ser feita. Ainda há tempo – não espere tudo se quebrar, mas converta-se ao Senhor.
Essa conversão da Hipocrisia e da Religiosidade é difícil demais, pois todas as duas se parecem muito com um relacionamento com Deus. Religiosamente enganamos nosso próprio coração ao cultuarmos Deus não em espírito e em verdade, mas através de nossos rituais e cerimônias. Religiosamente engamos a todos os outros com nossa de prática religiosa falsa, engando a todos, falando, ensinando e corrompendo outros corações.
Que Deus nos ajuda a nos livrar dessa religiosidade e da hipocrisia