Hoje vi uma citação de um certo pregador que fala sobre alcançar o mundo … era mais ou menos: pra alcançar o mundo precisamos deixá-lo primeiro.
Entendo o que ele disse e posso até compreender o medo que as pessoas tem do mundo, mas exegética, bíblica e teologicamente (nem se falando em prática …) esse é um dos conceitos – a meu ver – mais prejudiciais para a pregação do evangelho que temos.
Tenho plena certeza de que muitos que lerão isso não gostarão, mas independente disso expresso minha maneira de enxergar as coisas.
Por mais que eu possa entender o mundo como sistema mundano e que esse inimigo assola as nossas almas e que realmente não devemos nos deixar nos moldar pelo mundo, é muito claro isso, mas a utilização desta palavra nesse contexto para a igreja de uma forma geral só causa confusão e aniquilamento do próprio desejo de Jesus que ora em João 17 para que Deus não nos tire do mundo, mas nos santifique no meio dele. Parece uma incoerência da minha parte pedir para que saiamos do mundo quando Jesus pede ao Pai que não nos tire do mundo.
Essa mensagem mantém a igreja isolada do mundo, sem ação, pois ir para o mundo passa a ser sinal de fracasso. Jesus vivia no meio do mundo e dos pecadores e entendo que a mensagem é que devemos deixar que o mundo nos amolde, mas falar sobre deixar o mundo é incosistente e incoerente do ponto de vista da linguagem em português, pois cria a falsa imagem que o mundo é tudo aquilo que não é ‘igreja’ (templo) e então sacamos de palavras assim e criamos o conceito grandemente disseminado de um lugar ‘profano’ (mundo … geralmente espaços físicos, pessoas …) e um lugar ‘sagrado’ (geralmente igreja-templo). Então a partir daí tiramos as pessoas do mundo-físico, criando seres alienados e depois de algum tempo exigimos que eles voltem ao mundo para evangelizar… Como fazer isso? Não sabem mais interagir com o mundo e tudo o que veem é pecado, desgraça, coisas podres … não enxergam as pessoas separando-as das suas atitudes, portanto não entendendo apenas batem com um evangelho que parece uma arma que mata (vi uma foto disso no Facebook outro dia … uma arma no lugar da Bíblia… um evangelho violento …), não se importando com as pessoas, apenas com a “sã doutrina” como se fossem guerreiros de uma guerra santa em nome de Deus para matar os pecados junto com os pecadores …
Entendo a preocupação com o pecado, muitas vezes que entra em nossas vidas através de vários fatores e esse isolamento, intepretando palavras como “santo” (hagios) de forma a separar pessoas até mesmo e principalmente em contextos geográficos e físicos, como se fosse essa a vontade do Senhor. Ser ‘hagios’ (santo) não é uma separação simplesmente, mas sim uma designação para um contexto – é ser separado para utilização, para ser feito da vida um propósito, não apenas uma separação num canto qualquer, num templo qualquer, num grupo qualquer. Ser santo é estar inserido na normalidade da vida e aí, no meio do mundo, estar consciente da vontade de Deus, viver de acordo com que crê o seu coração, viver para Deus, amando, comercializando, trabalhando, estudando, ensinando, ou seja, todas as tarefas normais da vida comum de todo mundo. Ser santo é estar no mundo, é ser santificado dentro do mundo, é ser prazer de Deus no meio do mundo, é amar o mundo como Deus amou o mundo.
Seria incoerência de nossa parte e até mesmo de Deus pedir que odíassemos o mundo como se fala em meio à igreja de uma forma geral se ele mesmo AMOU O MUNDO DE TAL MANEIRA que deu o seu filho para que todo aquele que nele crer tenha a vida.
Confundimos o mundo com pecado e sistema mundano com mundo.
Creio que não devemos amar o mundo (sistema mundano que nos afasta de Deus) mas devemos amar o mundo (pessoas, habitação, gentes, povos…). Usar a mesma palavra que é intercambiável para designar os dois, mas não explicarmos a que MUNDO estamos nos referindo causa uma confusão mental e uma disfuncionalidade na igreja: confundimos mundo (gente) com pecado e então quermos nos afastar de tudo que é mundo (gente).
Amem o mundo como Deus amou o mundo. Detestem o mundo como Deus abomina o mundo. Falada assim a frase fica irreconhecível. Dita assim esta expressão confunde.
Aguardo o dia em que iremos, como igreja, amar o mundo como Deus amou o mundo e viveremos a vida, no mundo, como Deus deseja que vivamos, amando as pessoas sem o objetivo de armadilhas para ‘catar sua alma’. A igreja do primeiro século tem muito a nos ensinar sobre isso: viviam a vida comum no meio do mundo, celebrando a vida e repartindo o que tinham e Deus mesmo levava pessoas do mundo para o meio da comunidade, acrescentando dia a dia os que iam sendo salvos.
Que tal um desafio? Aprender a amar o mundo como Deus amou e entregar-nos todos os dias para levar ao mundo, ao nosso redor, em nossas relações, o amor de Deus pelo mundo, pelas pessoas?