Tessalônica era uma cidade rica, portuária, com uma presença muito grande do império romano e muita manifestação de cultos às diferentes tradições romanas e gregas da sua época e anteriores. Os templos e cultos helênicos (gregos), bem como os templos e cultos romanos (imperiais) enfatizavam a riqueza, o reino de paz, a consequente recompensa das pessoas que cultuavam com prosperidade e bem-estar. Havia uma crença comum em meio às pessoas que aconteceria o “dia do Senhor” (e entre eles não é uma referência cristã, mas uma alegação de que os deuses – inclui divindades e boa parte do corpo do império. O imperador era visto com uma divindade e que ao final de um tempo estabeleceria um reinado de paz e prosperidade).
Havia dois problemas principais para os novos crentes de Tessalônica que Paulo tenta resolver com esta carta.
- O dia do Senhor – como eles não haviam sido instruídos na fé cristã até Timóteo chegar até eles como um pastor-ensinador, eles tinham muitas dúvidas, pois boa parte da teologia que compreendiam vinham do contexto social que viviam e dos cultos (gregos e romanos); esse dia do Senhor, na cabeça dos crentes novos era uma referência muito clara à teologia grega e romana, do estabelecimento de um reinado na terra por parte dos deuses ou mesmo do imperador (César) que viria para trazer paz à terra;
- A morte de pessoas da comunidade – na cultura teológica de Tessalônica (lembrando sempre que eram instruídos nos cultos pagãos romanos e gregos) e morte era um desastre, uma perda insubstituível, pois aqueles que morreram antes de verem a chegada do “dia do Senhor” não participariam com ele (lembre-se sempre que “ele” aqui se refere à deuses, assim como o imperador que viria para estabelecer um reino de paz e não é uma referência a Cristo em primeiro lugar.
Então imagine o contexto: as pessoas começaram a crer em Cristo e levar a sua vida cristã de maneira absolutamente contraditória, pois, já que não participavam mais da esperança de um reino terrestre a ser preparado pelo imperador (ou deuses), estariam desta forma fora de qualquer esperança da libertação de sofrimentos da vida do dia a dia.
Há muitos estudiosos que demonstram que boa parte daqueles que creram e que pertenciam à igreja de Tessalônica eram pessoas pobres. Havia algumas mulheres ricas e influentes no meio deles, mas a grande maioria era pobre.
Ser pobre no contexto da época, principalmente no religioso, retirava deles a possibilidade de participar ou pertencer às religiões vigentes, pois em grande parte, os cultos e adoração eram feitas pelos ricos que sacrificavam e davam de si para obter o prêmio de pertencer ao reino religioso-imperial.
Morrer pobre então era uma desgraça completa para os tessalonicenses, pois eles acreditavam que assim não participariam do dia do Senhor (que é a concretização do reino do estabelecimento de bem-estar, solução de problemas com o sofrimento e com a integração das pessoas com os deuses.
Paulo então escreve a eles para tentar resolver esses problemas principais.
Eles estavam perdendo a esperança, pois a vida cristã não os estava levando a enriquecer e, portanto, na visão deles, ter direito a participar a consolação do reino a ser implementado.
Por este motivo, estavam levando a vida de forma licenciosa, sem apego ao corpo, sem santidade pessoal, apenas vivendo os dias esperando a morte e a desgraça final.
Cada vez que alguém do meio deles morria, eles se desesperavam sem nenhum consolo, pois acreditavam que estas pessoas não teriam salvação (sempre para eles num contexto concreto, da imediata salvação que resolve os problemas e os tira da dor e sofrimento e lhes dá uma vida de paz a prosperidade).
Paulo entendia isso. Ele havia passado pouco tempo com eles para dar início à igreja e os convertidos não tinham sido instruídos e passaram a crer na fé cristã baseados no que eles compreendiam da fé pagã dos cultos gregos e romanos. Estavam misturando tudo e Paulo queria então com essa carta corrigir minimamente esse mal, dando para eles a instrução que necessitavam e enviou também Timóteo como um pastor-ensinador para ajudá-los a compreender melhor a fé cristã e viver de acordo com essa esperança.
Paulo então usa uma linguagem apocalíptica para dar consolo pastoral aos crentes de Tessalônica. É a preocupação com o cuidado pastoral que o faz agir assim. É uma preocupação pastoral diante do sofrimento e da aflição (palavra que ele com bastante ênfase na carta que escreve).
Ele está tentando reconstruir a redação histórica deles em relação à vida, morte e santidade, bem como, dar para eles outros princípios sobre os quais deveriam viver o dia a dia cristão em meio às pessoas e consigo mesmos.
Eles estavam sofrendo muito por diversos motivos: falta de esperança, motivação para viver e crescer na fé e uma perseguição interna (pessoas do meio da igreja que eram mais ricas tentavam impor a teologia da prosperidade, acusando os pobres de não serem aptos à andar com Cristo) e uma perseguição externa de judeus-não cristãos que acabava por levar até à morte alguns da igreja.
Judeus não-crentes, que se contrapunham a alguns judeus e muitos gentios devotos a Jesus como o Messias, instigaram um tumulto público. Em consequência disto, alguns judeus e gentios não-crentes, apelando para a “paz e segurança” romanas, perseguiram a igreja tessalonicense.
Junto com tudo isso, os que se convertiam acabavam perdendo os “vínculos sociais” (família, amigos, companheiros etc.) o que promovia ainda mais isolamento e sofrimento.
Então imagina esse povo crente, sem instrução atenta, sendo perseguido pelos de dentro, arrastados e perseguidos pelos de fora (como se estivessem sendo rebeldes ao império), muitos morrendo sem esperança, isolados socialmente, perdendo possibilidades de emprego, de sustento de suas famílias, família sendo destruídas pela morte de provedores do lar, outras sendo esfaceladas diante da separação entre os que se convertiam e os que não queriam seguir a fé cristã e tudo isso junto com pobreza, sacrifício e perdas pessoais correntes e sérias.
Há um contexto de desesperança completo aqui no meio deles. Quando a perseguição e morte vieram para o meio deles, instalou-se uma dúvida de que estavam no caminho correto, pois a morte, a dor, o sofrimento parecia ser incompatível com a fé e a religiosidade.
Eles queriam compreender o que estava acontecendo e Paulo tentou explicar isso para eles usando a linguagem apocalíptica.
Há pelo menos duas linguagens que Paulo poderia ter usado: a profética e a apocalíptica.
Na profética ele estaria enfatizando a comunidade, a transformação da vida da igreja como um todo, de um povo, da restauração e conseguinte construção de uma vida comunitária melhor e mais bem estruturada.
Ele prefere a apocalíptica pois a ênfase aqui é na vida individual. A pessoa e seu destino. A salvação e o julgamento final das pessoas enquanto indivíduos e não apenas inseridos dentro da comunidade.
Paulo queria responder ao anseio da alma de cada um, especificamente para dar esperança de vida e construção sólida de uma vida cristã efetiva, vigilante, atuante e com uma visão de Cristo, do seu reino e da vontade dele para cada uma daquelas pessoas que estavam no meio da igreja.
Paulo faz isso para enfatizar que Deus é um Deus pessoal, alguém que se preocupa e interage conosco em nível íntimo e pessoal. Ele se preocupa com nossas dores da alma, com nosso sofrimento pessoal e quer estar junto, conosco, em nós, o tempo todo dando da sua presença. Ele (Deus) quer que as pessoas compreendam que mais do que pertencer à uma comunidade ele quer se relacionar pessoalmente com cada um de nós, individualmente.
A questão a ser respondida por Paulo era sobre os que morreram e os que ficaram. Para os tessalonicenses, aqueles que morreram se perderam, pois não poderiam participar do dia do Senhor. Aqueles que estavam vivos ainda tinham alguma esperança. É preciso lembrar que a teologia pagã dos cultos gregos e romanos enfatizam a vida e não uma “pós-vida”. Tudo se resumia ao aqui e agora e não havia uma teologia da esperança numa vida futura com Deus.
Paulo então de maneira clara fala que não há nenhuma prevalência sobre os que morreram e os que estão vivos, pois ambos participam da vida com Cristo, seja aqui ou “lá” e que ambos, os que morreram e os que estão vivos serão transformados pela ressurreição.
Essa é a palavra-chave para o entendimento do consolo de Paulo: ressurreição (que é a mesma coisa de transformação). Ou seja, aqueles que estavam vivos estão sendo transformados (e há um caráter futuro da transformação dos seus corpos em sua inteireza quando encontrarem-se com Jesus) e os que morreram serão ressuscitados (assim como Cristo foi, ele é o primeiro dessa ressurreição) para poder continuar participando da vida com Cristo (unidos a eles – tanto os vivos como os mortos).
A linguagem de Paulo sugere a ideia de transformação — ser arrebatado da esfera terrestre, ser transportado para uma esfera supraterrestre, e lá experimentar a união com o Senhor — todos sugerem uma forma apropriada de existência para este novo estado, isto é, um modo transformado de ser, consonância com participação na vida ressurreta de Cristo. Os que morreram sendo ressuscitados (transformados) e os que estão vivos sendo arrebatados (transformados) para poder viver a vida ressurreta com Cristo para sempre.
A resposta de Paulo foi então, que a ressurreição dos (cristãos) mortos aconteceria antes da parousia (termo técnico para se referenciar à volta de Cristo ou a conclusão das questões terrenas, sempre em Cristo) e que aqueles que permanecessem vivos não teriam nenhuma vantagem em relação aos mortos: TODOS seriam transformados.
O que Paulo também enfatiza é que a “ira vindoura” não é para os que estão com Cristo e em Cristo, mas para aqueles que negam a Cristo, que não vivem de maneira a crer e atribuir a Deus o destino soberano da humanidade. Paulo está enfatizando isso justamente porque a teologia pagã e a teologia judaica estavam impondo aos crentes de Tessalônica que eles é que sofreriam a “ira vindoura” pois estava vivendo fora dos propósitos do “reino “estabelecido pelo império e daquilo que viria no “dia do Senhor” a partir das crenças dos deuses e do deus-imperador.
É preciso se lembrar que, quando Paulo escreveu esta carta, provavelmente entre os anos 50 e 53 d.C não havia acontecido ainda a destruição de Jerusalém e Paulo, provavelmente, esperava o grande desfecho da história humana ainda em seus dias. Estamos vivendo hoje, portanto, podemos compreender que a história humana ainda não teve o seu desfecho final. Paulo vivia então uma esperança da vinda iminente (em breve) de Cristo, como ele prometeu que voltaria. A grande questão é que essa vinda para resolução de toda a história humana ainda demoraria muito (e provavelmente demorará muito ainda – o certo é que NÃO SABEMOS quando se dará isso e de que maneira, por isso, enquanto VIVOS devemos viver a esperança da vida com Cristo, de maneira ativa, leal, fiel, enxergando-o em nossos caminhos, problemas, dúvidas, mortes e dificuldades.
Paulo instrui que aqueles que estão vivos não lamentem excessivamente a morte dos que foram “para não vos entristecerdes como os demais, que não tem esperança.”
A palavra da hora é esta: ESPERANÇA. Ela não deve estar longe de nós em momento algum. Mesmo quando tudo parece desmoronar, quando tudo parece perdido, quando há o que melhorar, resolver, devemos manter a ESPERANÇA em Cristo, através dele, por ele, querendo ele, relacionando-nos com ele, vivendo o dia a dia da fé cristã com esperança de TRANSFORMAÇÃO.
Ainda segundo Paulo devemos CONSOLAR uns aos outros diante da morte e das dificuldades, pois esta é a vontade de Deus para os seus e que estejamos preparados para a morte, mas sobretudo estejamos preparados para a VIDA.
Ele dá uma ênfase especial que que a vida que temos e vivemos deve ser vivida de maneira digna do nome de Jesus. Ele exorta que nos preocupemos com nossas almas, mas também que tenhamos a ênfase de nos preocupar com nosso corpo, com aquilo que fazemos através do corpo e com as consequências colhidas por uma vida licenciosa, sem atenção, vivida de qualquer jeito, sem esperança.
Tenho um amigo (Timóteo Carriker) que escreveu o seguinte sobre tudo isso:
Em 1 Tessalonicenses 4.13-5.11, Paulo se opõe diretamente às expectativas radicalizadas dum ambiente do tipo milenarista. A morte de alguns cristãos, provavelmente resultado de perseguição local e algumas notícias de que o Dia do Senhor já havia chegado, havia causado uma confusão que poderia intensificar a lamentação e pouca preocupação pelos padrões morais. Qual era a condição dos cristãos que haviam morrido? Aqueles que haviam permanecido vivos lamentavam que os seus amigos e familiares não veriam o Dia do Senhor e, então, dele não participariam. De fato, alguns questionavam o seu próprio destino também. A tudo isto, Paulo respondeu: aqueles que estarão vivos na vinda do Senhor não terão vantagem sobre aqueles que tiveram morrido. Na vinda do Senhor, primeiro ressuscitarão os mortos. Depois, junto com aqueles que permanecerem vivos, ambos serão arrebatados para se encontrarem com o Senhor e estarem com ele para sempre. Que palavras confortantes!
Finalizo pensando que Cristo não está alheio às nossas dores e ele quer que vivamos de maneira a consolar-nos com a esperança de estarmos TODOS unidos a ele (mortos e vivos) e que ambos (nós todos) podemos nos alegrar com a vida em Cristo e através de Cristo, mesmo em meio à dor da separação, mesmo em meio às dificuldades, mesmo em meio ao sofrimento, pois tanto na dor como na alegria ele prometeu que estaria para SEMPRE conosco. Esta é a nossa esperança!