Gosto de Clarice Lispector, descobrindo o nascimento do prazer: “o prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom – como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos – pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós“.
— Clarice Lispector – (A descoberta do mundo: crônicas – p.159)
Este pequeno trecho retrata muito de nossa luta para “esconder” o prazer debaixo de mil máscaras. Não prazer no sentido do “uso comum” que se dá, como se prazer fosse apenas algo proibido ou mesmo não mencionável, mas o prazer interno, o gozo, a alegria de ver desejos sendo realizáveis.
Mascaramos, ou como Clarice diz cubrimos “cada nervo com uma película protetora”.
Dói, de verdade, no peito esse prazer nascendo, pois vivemos por muito tempo com a máscara do “não desejo”, vivenciando momentos e situações em que nada disso parece ser importante, negamos, teimamos em não pensar, mas está lá, vivo, vivido, ativo, querendo sair.
Saindo detrás das máscaras
Deixar as máscaras, retirar as proteções, diminuir a função dos mecanismos de defesa e encarar o real sobre a vida é assustador, mas não existe alegria maior que ver-nos, no espelho de nosso alter ego, como realmente somos, mesmo que a imagem seja invertida, dá pra trazer de volta sobre nós e encarando isso, em nós, decidirmos abrir mão da máscara para assumir o real.
Clarice diz muito bem ao afirmar que “a alegria verdadeira não tem explicação possível”, pois essa alegria verdadeira tem a ver com o fato de SERMOS e não de TERMOS.
Ainda Clarice
Em outro texto ela afirma justamente que
“Se tudo existe é porque sou. Mas por que esse mal estar? É porque não estou vivendo do único modo que existe para cada um de se viver e nem sei qual é. Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza. O que há então? Só sei que não quero a impostura. Recuso-me. Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado” (Agua viva – p.49).
O mal estar da dor no peito por medo de sermos quem devemos ser principalmente por que existem muitas demandas que nos “impedem” de caminhar, dar passos, tomar decisões, planejarmos a vida, sermos claros e assertivos conosco e com aqueles que estão ao nosso redor, que vivem enganados de nós mesmos.
Somos, ou pelo menos “deveríamos ser”.