Habacuque 1.2-4
Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! E não me salvarás? Por que me mostras a iniqüidade e me fazes ver a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há contendas, e o litígio se suscita. Por esta causa, a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta, porque o perverso cerca o justo, a justiça é torcida.
O profeta Habacuque provavelmente exerceu o seu ministério entre 609-598 a.C., tendo como contemporâneo seu o profeta Jeremias.
v.2 – até quando – pergunta impaciente, lamento por uma situação possivelmente sem solução.
Clamarei eu – indica clamor (gritos e choro) em alta voz de alguém em profunda aflição.
Violência – este termo fala de uma quebra deliberada por parte da população de forma brutal e incessível dos direitos e privilégios básicos.
Não salvarás – com muita dor e aflição o profeta observa a aparente indiferença de Deus quanto a este sofrimento.
v.3 – opressão – literalmente este termo tem a ver com o trabalho, é “fadiga” (trabalho, labuta), mas um trabalho que leva a angústia, exaustão e ao desânimo, a fadiga mesmo. Atividades algumas vezes impostas por outros e outras vezes impostas pela situação que não nos trazem benefícios a não ser a fadiga, o cansaço, o desânimo, a incerteza das nossas ações.
Contendas e litígios – a maldade sem controle resulta numa comunidade divida e repleta de suspeitas, acusações e ataques pessoais. Ninguém mais parece ser de confiança.
v.4 – a lei se afrouxa – literalmente é “a lei está entorpecida”. Nesse caso aqui a “lei” é uma referência ao padrão divino para a vida em comunidade. O poder e a influência dos que amam a perversidade tornaram este padrão sem efeito.
O perverso – referência a todos aqueles que tratam com desprezo a vontade do Senhor, sua lei e a própria pessoa de Deus, agindo como se não houvesse nada que os impedisse e nada que os convencesse a mudar de atitude.
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No contexto brasileiro, nos últimos 20 anos a violência se tornou objeto de interesse e discussão amplamente divulgado pela mídia, igrejas, governo e população em geral, o que leva especialista a emitirem sua opinião sobre o assunto e hoje, de acordo com pesquisas divulgadas recentemente é o principal motivo de ansiedade coletiva da população: como ter segurança em meio ao caos e violência que se instaura no contexto urbano?
Professoras da UNICAMP expressão em um artigo sobre violência urbana mostrando dois os dois lados da questão: “Por um lado, a sociedade brasileira tem acompanhado o aumento da violência e da criminalidade; por outro, observa a ausência de respostas por parte das polícias e da Justiça, que se expressa no despreparo das forças policiais para o enfrentamento do crime e nas altas taxas de impunidade” (IZUMINO e NEME: 2002).
Parece que lemos as palavras de Habacuque quando ouvimos as duas professoras manifestarem-se.
Para tomarmos com base um grande centro urbano, São Paulo, vemos que Secretaria de Estado de Segurança Pública afirma que os crimes de homicídio e tentativa de homicídio são os que mais afetam a segurança (8,9% e 8,6% respectivamente) seguido pelo tráfico de drogas (6,8%).
De acordo com a ONU o número de assassinatos em nosso país cresceu 237% o que indica que todos os anos 40.000 pessoas perdem suas vidas no Brasil vítimas da violência, isso representa 11% das vítimas de todo o planeta (CAMPOS: 2004).
Carlos Drummond de Andrade, em seu poema: “Eu, etiqueta” retrata um ser humano moldado pelas conjunturas, o que nos lembra do texto de Paulo aos Romanos, no capítulo 12 – para que não nos deixemos formar pelo molde que não seja o molde de Deus.
Eu, etiqueta
Carlos Drummond de Andrade
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome… estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
Parece claro, ao ler o poema, como é que a massificação nos transforma em coisa, uma coisa que age em meio a outras coisas, despersonificando o ser, tratando o ser humano apenas como um objeto descartável e por isso a violência, olhando deste prisma, tem uma ação drástica não somente pela ato em si, da violência, mas do conceito da violência que propõe o descarte de um objeto porque seu uso não é mais necessário ou mesmo onde nos tornamos escravos da matéria, da coisa.
Podemos então perguntar:
A violência nos atinge a todos?
Em que nível ela nos atinge?
O que fazemos para evitar a violência? (nos escondemos, nos isolamos…)
Porque a violência surge? (o caos toma conta….)
Porque parece se insolúvel qualquer ação contra a violência?
O que tem a Missão a ver com a “não violência”?
O que é verdadeiramente paz? (será ausência de guerra?)
Podemos viver uma vida sem nos envolvermos com a violência?
Fontes
CAMPOS, Walmir Lenadro Motta. Os números da violência urbana no Brasil no século XXI. https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1663/Os-numeros-da-violencia-urbana-no-Brasil-no-seculo-XXI – acessado dia 10 de outubro de 2009, às 13h51.
IZUMINO, Wânia Pasinato and NEME, Cristina. Violência urbana e graves violações de direitos humanos. Cienc. Cult. [online]. 2002, v. 54, n. 1, pp. 47-49. ISSN 0009-6725.