Quote of day #002
Todos vivem com suas estruturas, sejam pessoais, familiares, religiosas dentre outras e elas são determinadas a partir da vida social que empreendemos e na qual fomos inseridos dentro do contexto familiar, cultural e educacional. Estruturas não são certas ou erradas, mas podem contribuir para o crescimento ou barrar uma interiorização da vida.
Noto nestes tempos e épocas que vivemos um ataque a individuação (ou o sentido mais psicológico ao termo que corresponde ao processo enfrentado por cada indivíduo que realiza sua escapatória das prisões que é submetido e que estancam sua maneira de enxergar o mundo. Esse processo corresponde a um atingir de maturidade para olhar de um outro ponto de vista as situações inseridas, enxergar do alto). O social, a estrutura, o comunitário, o que é de todos passa a ter uma prevalência como se estas estruturas as quais estamos inseridos fossem a própria vida e não a manifestação social dela.
Vejo por exemplo pessoas dizendo valorizar a família e dar a vida por eles, mas no processo diário íntimo, na relação entre os pares não há valor para a construção dos sonhos pessoais ou mesmo libertação das amarras que travam a vida de continuar num processo produtivo, pois o valor a família tem mais de estrutura do que de intimidade, interiorização, libertação de preconceitos. O movimento nas redes sociais são um exemplo prático disso. Algumas vezes uma família é desfuncional por uma série de motivos, o marido trai a mulher, ela é infeliz, mas ao ‘postar’ uma foto da família num almoço em algum lugar gostoso, com sorrisos nos lábios e olhares regados pelo álcool os amigos, mesmo sabendo da realidade, curtem e comentam: Que família maravilhosa, que família feliz!
Essa é a regra social de que a felicidade familiar a priori está ligada a estrutura e não a interiorização dos relacionamentos numa intimidade não é atravancada, mas se dá em momentos bons e outros nem tanto.
Outras estruturas funcionam do mesmo jeito, inclusive a religiosa. Estar num culto, num evento, celebrar, cantar, pular (para alguns) e dizer frases que exprimem o que se passa naquele ambiente – “lugar de bênção”, “noite de unção” e assim por diante, demonstram a felicidade que a estrutura tem para alguns, mesmo em detrimento de algum lixo guardado no interior; algumas vezes é a funcional catarse que está acontecendo.
Não podemos viver sem estas estruturas sociais, numa tentativa de isolamento. O relacionamento com Deus é íntimo, cada um com ele, mas acontece também entre as pessoas e por elas é reconhecido, principalmente tratando-se de ministério.
Ele não deseja que substituamos a vida social pela vida de intimidade, deixando de estar com as pessoas, porém, do mesmo modo ele não quer que troquemos a vida de intimidade com ele pelo evento, pelo culto público ou mesmo pelas manifestações públicas de louvor e adoração. Quando isso acontece, Jesus nos evangelhos sempre usa a palavra hipocrisia para referir-se a esse movimento de substituição.
Algumas vezes, mesmo em meio a almoços, churrascos, festas, eventos e tantas outras manifestações estruturais sociais que participamos nos sentimos sozinhos e outras vezes precisamos assumir para os outros posições e situações que são no mínimo vexatórias. Procuramos no olhar, nas palavras, nos toques, nos sorrisos muito mais do que podemos admitir, pois procuramos aceitação, cumplicidade, compartilhamento dos sonhos mais íntimos e lindos que temos dentro de nós e ao nos depararmos com certas realidade, nos calamos e sofremos, engolimos a saliva numa garganta seca que mareja os olhos e pesa a alma.
Priorizamos as estruturas em detrimento das nossas condições internas e pecamos contra nossa alma afogando nossos sonhos e realizações, libertações e curas e damos para a vida um tom de normalidade que não é acompanhada no dia a dia da intimidade, quando entramos em nosso recôndito e lá, sozinhos, somos nós, numa intimidade não compartilhada com ninguém a não ser Deus; lá, nesse lugar, onde o dinheiro, a estrutura social, a família social apenas são sombras, lá mesmo, onde estamos a sós, sozinhos com nossa alma, o coração acelera, as lágrimas podem vir, o choro dura as vezes uma vida inteira.
Individuar-se passa a ser pecado estrutural, pois é tido como egoísmo e lascivo.
O interessante é que o processo de individuação em que Jesus, no movimento principalmente ligado a oração (maior intimidade que um ser humano pode experimentar do seu lado com Deus), ensina que devemos, ao orar, não ser como os hipócritas que gostam de ser ouvidos dos seus feitos, da sua estrutura maravilhosamente conduzida, mas devemos entrar no nosso quarto, e sozinhos, derramar nossa alma diante de Deus, trazendo a nós uma condição de indivíduos que se relacionam em intimidade com seu Criador.
Esse exemplo, ou esse protótipo, serve como modelo para todas as outras relações, por imitação a tentativa de interiorizar as relações, sejam de parentesco, sejam de amizade deve passar por esse momento em que a vida é compartilhada não apenas no social, mas principalmente dentro do recôndito de nossas almas, onde a linguagem pode até não fazer sentido socialmente, mas a alma fala, o coração sente, a mente compartilha sonhos, projetos, desejos não apenas para um planejamento de como realizá-los, mas principalmente pelo prazer em repartir a vida e o interior com outra pessoa.
Tem-se dezenas de amigos, participa-se de um outro tanto de festas, churrascos, eventos, cultos, mas nossa sociedade voltada para a virtualidade dos relacionamento é rasa, extensa, mas sem profundidade.
Gosto das palavras da Adriana Tanese Nogueira (psicóloga) em que fala sobre individuação, intuição e sentimento: “Nesse processo, que é lento e profundo, uma pessoa vai de fato se tornando sempre mais ela mesma. Ela descobre que o que ela achava que era não passava de miragem, de fachada, de faz de conta para agradar, pertencer ao grupo, ser amada, ou por simples falta de opção, por inconsciência mesmo. Quanto mais prosseguir o processo de individuação, mais o que há de único no indivíduo se manifesta ao mesmo tempo em que ele se torna também mais universal, mais próximo, de alguma forma, do humano, do pano de fundo de todos nós”.
Amar ao outro, aos outros, implica necessariamente em aprender primeiro a amar a si mesmo, para que se possa dar é preciso ter.